Flexibilização de agrotóxicos é prejudicial a trabalhadores rurais

Legumes, verduras e frutas são sempre lembrados quando o assunto é alimentação saudável. Entretanto, as comidas amigas da saúde podem se tornar vilãs. Isto porque o Projeto de Lei 6.299/2002 quer flexibilizar a Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/89), alterando regras de produção, comercialização e distribuição de agrotóxicos, também chamados de “produtos fitossanitários”.

Aprovada em 25 de junho, a medida visa a aumentar a produção com uso de substâncias mais eficazes no combate a pragas e retira do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o poder de veto nas etapas de fiscalização, podendo resultar em mais desrespeito às leis ambientais. Na prática, os efeitos nocivos atingem não apenas o consumidor, mas também os trabalhadores rurais e o meio ambiente, uma vez que seus resíduos são cumulativos e podem contaminar lençóis freáticos e provocar com doenças como o câncer.

Entre 2007 e 2014, aproximadamente cinco pessoas por cada 100 mil habitantes do Piauí foram envenenadas com agrotóxicos. O número médio de óbitos por intoxicação no período foi de 2,35 a 5,58. De 2012 a 2014, o Estado utilizou, em média, de 2,66 a 3,9 toneladas de agrotóxicos na agricultura. Os números fazem parte do estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, da pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a notificação das intoxicações dos trabalhadores por agrotóxicos represente 2% das vítimas de acidentes de trabalho. A dificuldade em realizar diagnóstico torna desconhecido um número mais real de vítimas, sejam elas mortas ou incapacitadas pela exposição ao veneno. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a OMS, há anualmente 70 mil intoxicados nos países em desenvolvimento que vão a óbito. Já as doenças agudas podem somar 7 milhões de casos.

Não existe uso seguro -Quando a nova legislação tira do IBAMA e da ANVISA o poder de veto ao produto químico novo e concentra esse poder tão somente no Ministério da Agricultura, existe grande risco de aprovar algo mais nocivo à saúde, tanto da população que se alimenta daquele produto, como do trabalhador que lida com a aplicação dos agrotóxicos e da colheita. Mesmo antes da mudança, há estudos comprovando que eles promovem mutações, câncer, infertilidade”, explica o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Piauí, Ednaldo Brito.

Ele conta que, na prática, não existe um uso seguro de agrotóxicos por parte dos trabalhadores rurais, e os equipamentos de proteção individuais (EPIs) servem apenas para minimizar os impactos à saúde de quem manuseia os químicos. “Para ser 100% seguro, o trabalhador teria que utilizar uma vestimenta totalmente impraticável devido ao clima, pois teria que estar hermeticamente fechado em traje totalmente impermeável, da cabeça aos pés, para que o produto não entrasse em contato com ele em nenhum momento, além de ter outra pessoa que retirasse essa roupa contaminada dele. Dessa forma, não existe equipamento de proteção que evite 100% do contato do trabalhador com os agrotóxicos”, esclarece.

Além disso, Ednaldo Brito frisa que não há produtos usados no combate às pragas agrícolas que sejam inofensivos à saúde humana. Desta maneira, a única maneira de evitar danos à saúde dos trabalhadores agrícolas seria a extinção do uso dessas substâncias.

O risco imposto a essas pessoas poderia ser comparado às profissões classificadas como insalubres. “Seriam casos em que a empresa paga um adicional por não conseguir eliminar o risco da atividade, remunerando o desgaste da saúde do empregado. O que o MPT tutela é o inverso disso: a não mercantilização da saúde do trabalhador. O ideal seria eliminar o risco, primando pela produção de produtos orgânicos”, finaliza.

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